Ct 002 - Devoção

“Quantas coisas perdi!" Era incalculável a perda, ele supunha; Cabisbaixo, Mário rememorava o último fato que cercava o final do seu amor. Andando só na noite escura, ele não conseguia acreditar que sua relação com Filomena, em cujos braços tivera tantas alegrias, houvesse se encerrado.

Considerava ter nascido para ela e em cada um dos seus pensamentos a tornava presente; relutava em aceitar o fato de que ela o deixara.

No seu caminho, restos de lixo espalhavam-se nas calçadas; era o resultado das estripulias dos cães e gatos em busca dos restos de alimentos. Entre as paredes enegrecidas pela fuligem urbana, restos de lixo e sarjetas imundas, Mário avançava a passos lentos e trôpegos rumo ao seu apartamento, vindo do bar em que bebera muito além do habitual.

Como ele próprio dizia, estava "quase bêbado". Apesar de que nunca sabia o ponto em que o "quase" não mais fazia sentido. Assim, muitas vezes estava embriagado sem o saber; Bom, isto não lhe fazia grande diferença! Afinal, entre sóbrio, "quase bêbado" e bêbado, julqava que o importante era estar entorpecido para não torturar-se com as lembranças de Filomena.

Saíra a três dias de casa para a despedida de Filomena e só agora pretendia retornar, destino que a mente desejava e coração relutava, "Pra que ir pra casa? Ela não estará a minha espera!" Nisso, esteve de bar em bar e em breves estadas nos bancos da praça do bairro, onde dormira um pouco durante o dia e recuperara-se, em parte, da embriagez; em seguida voltara aos botecos recomeçara a bebedeira, chegando ao ponto atua.

Um gato saído rapidamente de trás de montes lixos aplicou-lhe um susto enorme; A juncão do susto com o álcool em seu corpo produziu efeitos terríveis ao seu equilíbrio. Cambaleou, escorregou em sacos de lixo e caiu, batendo com lateral da cabeça numa lata de lixo; em seguida, tentando levantar-se, apoiou-se numa das mãos e suas forças faltaram.

Seu corpo, enfraquecido e tomado pelo álcool, relutava em por-se de pé. Quando conseguiu por a segunda mão para apoiar-se, a primeira escorregou; ele rolou e bateu com a parte traseira da cabeça perdendo os sentidos.
 
Em seus delírios inconscientes, Mário via uma nuvem escura insistindo em impedir o luar; ele forçava a vista procurando enxergar o rosto de Filó, como carinhosamente a chamava. Refletido na lua ele via o semblante dela lhe sorrindo, pedindo para que ele esteja com ela. 

E ele gritava "Tô indo! Tudo o que eu desejo é estar com você! É a minha razão de viver! Você é a minha fé, a minha esperança!". Todos os seus sentimentos, que julgava raptados pelo coração dela, estavam depositados numa jura de amor obsessivo. Para ele, o mundo todo resumia-se em Filó; direcionara toda a energia da sua vida para ela...
 
Um taxista por ali passava e, vendo-o caído, sem sentidos e com uma poça de sangue ao entorno da cabeça, ligou para o serviço de emergência. Os médicos esforçaram-se para reanimá-lo. Porém, a dosagem alcoólica em seu corpo impedia a eficiência dos medicamentos. 

Aplicaram-lhe cuidados que pudessem surtir algum efeito sedativo, enquanto aguardavam que o teor de álcool em seu sangue baixasse e eles pudessem, então, tratar do edema cerebral que formara-se em razão da queda. 

Cuidaram dele com muito esmero; entretanto, os cuidados médicos não surtiram resultados. Decorrido algumas horas em estado de profundo coma, Mário encerrava sua existência dedicada à Filomena.
Após três dias do início do seu suplício, pôde reencontrar àquela para a qual consagrara a vida e que o havia deixado!

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